Crítica: Vermelho, branco e sangue azul (2023), de Matthew López
Vermelho, branco e sangue azul (2023) põe sua cara a tapa para dar algo que um conjunto de pessoas nunca teve, mas escorrega nos próprios pés ao por esse desejo acima de qualquer bom senso.
O cânone de literatura infantil é baseado fortemente nos contos de fadas. Esse gênero desempenha um papel importante no desenvolvimento das crianças, principalmente quando vislumbramos noções de pertencimento e relacionamentos ideais. Porém, exceto por algumas produções de Oscar Wilde, grande parte dessas histórias orbita uma noção de heteronormatividade romântica: seus personagens sempre idolatram uma relação monogâmica heterossexual como o maior objetivo de suas vidas. Essa característica sempre agiu como elemento de identificação para uma parcela, enquanto outros nunca se viam representados pelas obras, fílmicas e literárias, que compunham as morais de seus primeiros anos de vida. Suas consequências? Desde a marginalização moral até o desenvolvimento da Síndrome de Peter Pan.
Vermelho, branco e sangue azul (2023) é uma obra que parece se movimentar para suprir essa carência de referências de histórias homossexuais. O enredo gira em torno de Alex Claremont-Diaz (Taylor Perez), o filho da primeira mulher presidente dos Estados Unidos. Depois de um incidente em um casamento real, Alex tem que fingir ser amigo do príncipe Henry (Nicholas Galitzine), da Inglaterra, para evitar a possível escalada de uma crise diplomática. Embora o esforço seja inicialmente para minimizar os danos, os dois se tornam amigos e, por fim, se envolvem romanticamente, quando o príncipe Henry revela que é homossexual, despertando Alex para sua bissexualidade. Eles têm que conciliar o relacionamento, com suas funções políticas no cenário mundial, enquanto tentam não colocar em risco suas supostas reputações.
Baseado no livro de mesmo nome de Casey McQuiston, essa narrativa é direcionada para um público mais velho, mas que segue os mesmos princípios de um conto de fadas. Sua linha caminha em cima de um romance coibido, contextualizado na alta classe, sobre dois opostos que se atraem e precisam superar fatores externos para consumar seu amor. Não parece que estou te contando qualquer sinopse de um clássico da Disney? Pois é. Na realidade, esse nem é o problema, já que isso vem de um sentimento nobre de reparação. Entretanto, são os detalhes postos em torno desse núcleo que estragam — o maquiavelismo de Miguel, representação jocosa da política norte-americana, jogo de morde e assopra com a monarquia britânica e personagens sonsos — que fazem tudo desandar. No final, é uma história de contos de fadas que tenta se modernizar, mas que deixa perguntas: os gays necessitam realmente de narrativas que nunca se preocuparam em incluí-los? Por que não focar em criar enredos que tomam seus próprios passados como pauta?
O maior problema, todavia, nem chega a ser tanto o conteúdo, mas sim como ele é trabalhado. Fica claro que essa é uma produção destinada diretamente para a Gen-Z. Isso é óbvio se você considerar o ritmo imediatista que parece atropelar qualquer sutileza de desenvolvimento para chegar no ponto da realização melodramática. No começo, por exemplo, tanto roteiro quanto direção correm para colocar os personagens na situação que todos querem ver: uma relação desajeitada e supostamente proibida de duas potências midiáticas. Nesse caminho, dane-se qualquer preparação de terreno ou aprofundamento que poderiam dar consistência. O resultado é apressado, gerando cenas que não tem causalidade alguma e que lidam com personagens que são forçados não apenas entre si, mas com público também.
Em paralelo, por mais que o centro da narrativa seja arquitetado em cima do pressuposto de um conto de fadas, esse filme tenta amadurecer ao incorporar elementos de comédia romântica dos anos 2000. Esse gênero também sofreu com a falta de personagens homossexuais como referência: se antes eram as crianças, agora são os adolescentes que não se veem na tela dos cinemas. Porém, isso também não é muito bem orquestrado, ao passo que tudo se resume a efeitos de split screen, colagem, músicas e piadas datadas. Isso parece ser apenas vomitado pelo fato de não haver referência alguma pautando a presença desses elementos. O produto não traz uma noção de homenagem ou nostalgia, mas sim de opção de estilo sem muito propósito.
Porém, quando Vermelho, branco e sangue azul busca ser original, também recai em um exotismo plástico. Por algum motivo, diversas cenas parecem estar sendo gravadas em uma espécie de palco, visto que todo cenário é escancaradamente falso, assumindo uma postura teatral que fica totalmente aquém de qualquer outra instância fílmica. Em um dos primeiros momentos em que Alex conversa com seu pai numa varanda da Casa Branca, tudo ali parece tão, mas tão postiço que parece quase um sonho. Em conjunto, toda decupagem é artificial, confiando toda sua naturalidade aos movimentos de câmera, mas deixando com que os quadros sejam rasos e pobres de composição.
Felizmente, conforme o filme anda, ele parece se encontrar melhor dentro dos próprios termos. Mais especificamente, sua segunda metade é bem mais divertida e cativante do que a primeira. O capricho em cima de Alex aumenta quando suas questões sobre ser útil dentro da política e da campanha de reeleição de sua mãe acabam tornando-se um motor motivador da sua história. O destaque, porém, fica para algumas cenas soltas que são pontos-chave por sua delicadeza e aconchego sentimental. Na primeira vez que Alex e Henry “fazem amor”, tudo é filmado bem amadoramente e sutil, dialogando bem com uma primeira experiência. Mais tarde, a briga entre os dois e a sequência da dança no museu é bem charmosa também. Porém, o que liga tudo isso é um pouco… mais do mesmo.
Vermelho, branco e sangue azul põe sua cara a tapa para dar algo que um conjunto de pessoas nunca teve, mas escorrega nos próprios pés ao por esse desejo acima de qualquer bom senso. Toda ideia da história é boa, mas sua execução só deixa um gosto amargo de uma série comprimida para duas horas de duração. Os atores? Fazem o papel de gostosos, o que é o mínimo. No final, é uma tentativa nobre e justa, mas tente melhor na próxima. Um conselho? Diminua a velocidade, a vida não é como nos contos de fadas.