Crítica: Os Estranhos: Capítulo 1 (2024), de Renny Harlin
Os Estranhos: Capítulo 1 (2024) não é apenas ruim, mas também familiarmente chato.
Os filmes de terror conseguem se tornar clássicos por serem, justamente, ruins. Isso fica claro quando olhamos, especialmente, para os anos 1980 e vemos uma popularização desenfreada dos filmes slashers, um subgênero de filmes de horror que conta com maníacos perseguindo e matando adolescentes. Pensando naquele período, fica evidente que essa produção barata coincide com uma recessão econômica, oferecendo um espelho para o público adolescente diante de um futuro incerto, bem como sendo uma forma para o segmento independente de competir com as produções mainstreams de Hollywood. Com isso, obras como Halloween: A Noite do Terror (1978) e Sexta-Feira 13 (1980) carecem de técnica e teoria, mas têm uma popularidade que marcou uma época e que as tornam “clássicas”. Infelizmente, isso não pode ser dito das inúmeras sequências e refilmagens que vieram depois, que apenas sucatearam ainda mais a reputação desses filmes.
Os Estranhos: Capítulo 1 (2024) é mais uma peça desse quebra-cabeça infinito de remakes que tenta pegar carona no imaginário popular nostálgico, mas acaba sendo apenas um agente de corrosão do gênero. Na obra, dirigida por Renny Harlin, Maya (Madelaine Petsch) e seu namorado Ryan (Froy Gutierrez) estão viajando pelos Estados Unidos e decidem parar na calma e pacata Venus, no Oregon. Depois de um rápido almoço, o carro do casal quebra e eles são forçados a pernoitar em um Airbnb isolado na floresta. Com o cair da noite, o casal é lançado em um pesadelo sem fim quando três estranhos mascarados começam um jogo mortal de brincadeiras de perseguição e tortura. Nisso, o que começa como uma estadia tranquila, torna-se uma luta desesperada pela sobrevivência.
O pior de Os Estranhos é que ele não é apenas ruim, mas também familiarmente chato. Claro, o arquétipo em que o filme se apoia é saturado desde que a mãe de Jason fez suas primeiras vítimas ainda nos anos 1970, mas, para falar a verdade, houve algumas tentativas justas de modernizar esse modelo — O Segredo da Cabana (2011). Com isso, Os Estranhos é apenas a clássica história genérica em sua forma mais pura e sem graça. Nossos protagonistas, por exemplo, são o típico casal bonito de alma esperançosa, que tem suas ressalvas, mas que ainda assim acredita na bondade existente no mundo. Enquanto Ryan (Froy Gutierrez) tem um problema de saúde exposto como um empecilho na narrativa mais adiante, Maya (Madelaine Petsch)... Bom, eu não lembro de nada dela, para ser sincero. Com o andar da carruagem, clássicos elementos da narrativa de terror — crianças bizarras falando de Jesus e jumpscares em janelas — são apenas jogados na tela, na tentativa de capturar o mínimo de atenção, sem objetivo algum.
Olhando de volta alguns anos no passado, quando a primeira versão de Os Estranhos estreou em 2008, surpreende-se que uma comparação um tanto óbvia não foi feita. Nos anos 1990, a versão austríaca de Violência Gratuita foi lançada e, dez anos mais tarde, a releitura norte-americana tentou igualar os êxitos da primeira versão. No caso, há uma similaridade um tanto grande entre Os Estranhos e Violência Gratuita para além do uso e da reciclagem dos artifícios saturados do terror: mais especificamente, as duas histórias contam sobre um núcleo familiar que vai até uma cabana isolada e sofre com torturas de outro grupo de pessoas. Claro, essa ideia de terror em uma cabana não é propriamente original de Violência Gratuita, mas sua tortura psicológica e física como artificio para manter o filme fluindo por mais tempo, sim. Para mais, um pouco das sequências Quadrilha de Sádicos e Olhos Famintos também respinga vez ou outra. Nem mesmo copiando outros, esse filme conseguiu ser minimamente interessante.
Renny Harlin concentrou sua carreira em trabalhar apenas em sequências de clássicos, como A Hora do Pesadelo: O Mestre dos Sonhos (1988) e Duro de Matar 2 (1990). Se você me perguntar, Harlin parece uma criança mimada que esperneou para os produtores de Hollywood por uma chance de trabalhar nos filmes de sua infância. Se você me perguntar de novo, os filmes que ele assinou apenas provam porque as primeiras chances nunca foram dadas a ele. Falando da forma mais resumida possível, Os Estranhos é criticamente desequilibrado em sua direção: sua fotografia lavada é acompanhada de uma troca de lente esquisita — por algum motivo, Harlin insiste em filmar cenas apertadas com uma grande angular e as razões só parecem existir na cabeça dele. Além disso, os enquadramentos são forçados e estranhos, ao passo que os movimentos são ousados, mas nada orgânicos. O sentimento é de um filme que nunca te convida para participar dele.
Para tentar contornar a falta de criatividade, Os Estranhos confia demais no caráter emblemático do nome da franquia. Na cena em que os assassinos entram pela primeira vez na residência que o casal está hospedado, uma música quase épica é tocada em uma vitrola. Nisso, o filme os enquadra de forma gloriosa, mas sua função pende mais para um lado de reforçar um elemento na cultura popular, do que propriamente uma crença na própria narrativa. No caso, isso fica um pouco óbvio se considerar o quão mal desenvolvidos esses torturadores são: eles não são sádicos suficientes para justificar sua total objetificação — nisso Violência Gratuita se saiu melhor —, mas também nem há conhecimento sobre eles que justifique essa certa distância do caráter maquiavélico. Porém, nem mesmo isso impediu que o filme virasse um repelente de atenção.
No final de Os Estranhos: Capítulo 1, Ryan morre do jeito mais estúpido e sem graça possível: amarrado numa cadeira, um dos sádicos enfia uma faca lentamente na barriga do rapaz. Para piorar, tanto Gutierrez quanto Petsch são péssimos atores: enquanto ele confia todas suas cenas ao seu rosto bonito, ela parece ser o mais próximo que a produção conseguiu de uma Bella Thorne — que está do outro lado do espectro fazendo filmes igualmente ruins. Ironicamente, há uma coisa que une os atores, o diretor e o filme: todos são bem bunda mole.