Crítica: Meninas malvadas (2024), de Samantha Jayne & Arturo Perez Jr.
Meninas malvadas é uma péssima tentativa de reciclagem de múltiplas ideias.
Chamar um filme de “clássico” é algo muito menos pretensioso do que se parece. Em uma definição rápida, um clássico pode ser qualquer obra que tenha marcado uma determinada época e, constantemente, seja lembrada e retomada como um ponto de referência. Nessa concepção — que beira princípios de um produto pop —, não é um absurdo ver Meninas malvadas (2004) como uma obra digna de ser chamada de clássica. No entanto, da mesma forma que sua iconicidade, seu propósito também se sustenta pelo tempo. Essa nova adaptação é a mais clara prova disso.
Com poucas mudanças relevantes, Meninas malvadas (2024) também segue a história de Cady Heron (Angourie Rice), uma jovem que se muda do Quênia para os Estados Unidos e precisa começar uma nova vida. Entre os vários estudantes, Cady conhece o grupo das garotas mais populares do local, comandado por Regina George (Renée Rapp). Inicialmente, Cady sente que as coisas podem funcionar e que ela consegue se encaixar entre as novas amigas, mas a situação começa a mudar quando Cady se apaixona pelo ex-namorado de Regina e, junto de dois amigos, planeja acabar com a vida da abelha-rainha da escola.
Por mais que Meninas malvadas (2004) tenha tido seus pontos positivos logo no seu lançamento — “é uma conquista cômica e sociológica” —, grande parte de seu reconhecimento veio com o tempo. Ou seja, a versão da década de 2000 funciona, na maioria das vezes, pelo quão absurdo essas situações parecem hoje. Na época, por mais que houvesse uma dose de verdade, o que acontecia era filmado por uma lente de exagero e certa glamourização. Pouco mais de vinte anos depois, essa ideia de uma menina mimada fazer cópias de um diário repleto de xingamentos e espalhar pela escola é ainda mais fantástico e ridículo. Em outras palavras, o longa funciona porque sua instância de absurdo ficou ainda maior, ao passo que o distanciamento dessa época foi crescendo.
Nesse sentido, a própria existência de uma atualização da narrativa é desnecessária: se a irrealidade de antes criou um senso fantasioso, essa nova adaptação só parece ilógica. Porém, muito mais vergonhoso do que isso, é a forma que os diretores (Samantha Jayne e Arturo Perez Jr.) encontraram de tentar deixar o filme mais Gen-Z-Friendly. Proporção de tela em vertical, quebra da quarta parede, músicas patéticas e humor forçado são os pilares que tentam criar uma ligação entre uma história — sobre outro período e que só funciona no passado — e um público muito mais jovem. O resultado é uma sensação de vergonha alheia a cada nova canção que os personagens tentam desempenhar de forma debochada e falham — e existe uma música nova a cada cinco minutos de filme.
Pior ainda, no entanto, é a destruição de cenas inesquecíveis que, nessa edição, passam batido. Na cena da apresentação da canção de Natal, o coral improvisado das patricinhas é substituído pelo cancelamento on-line de Regina. O instante em que a abelha rainha faz cópias de seu livro da maldade e espalha pela escola é trocado pelos estudantes tirando foto do caderno e compartilhando as maldades por mensagem de texto. Por fim, o atropelamento da loira é posto de escanteio. A sensação é que nada parece se esforçar para ser memorável, mas, sim, produzir um efeito imediato de conexão rasa em uma diegese sem plasticidade alguma.
Além disso, os personagens — e o casting — são péssimos e sem profundidade alguma. Se na versão antiga, cada fala tinha potencialidade de se cristalizar no tempo, nessa nova é raro algo ser minimamente memorável. Cady e Regina, personagens e atrizes, são completamente sonsas, por exemplo. Na festa de Halloween, a icônica fantasia de coelhinha de Regina é substituída por asas de anjo sem forma e brilho. O burn book, por sua vez, se tornou um fichário de páginas em branco apenas com uma foto e uma frase solta. Até mesmo o quarto da abelha rainha perdeu qualquer traço e, agora, parece uma loja da IKEA.
Meninas malvadas é uma péssima tentativa de reciclagem de múltiplas ideias. Sua mescla de filmes dos anos 2000 com linguagem musical e teatral é desengonçada e sem propósito. Nem mesmo a volta de alguns atores — Tina Fey como a professora que vende drogas, Tim Meadows como diretor e Lindsay Lohan — tem espaço num filme que tenta ser tudo e acaba sendo nada. Existe apenas uma menina malvada, e ela está congelada há quase vinte anos.