Crítica: Dìdi (2024), de Sean Wang
Preferindo dar atenção a um enredo micro, Dìdi (2024) se aprofunda em uma história de autoconhecimento familiar a todos nós.
O último filme do diretor taiwanês-americano Sean Wang, Dìdi (2024), acontece em um subúrbio estadunidense, em uma bolha formada majoritariamente por filhos de imigrantes. Na época em que o filme se passa, segunda metade da década de 2000, os Estados Unidos de George W. Bush ainda estavam na sombra dos ataques do 11 de Setembro. Nesse período, as políticas imigratórias se tornaram mais difíceis, especialmente para aqueles vindos do México e outros países latinos em busca do Sonho Americano. Para os Republicanos, grande parte desses “bárbaros”, como alguns diziam, eram potenciais terroristas. Quanto àqueles que conseguiam entrar no país, para além do racismo e da xenofobia, enfrentavam um país com uma crescente populacional: dificuldades econômicas, barreiras linguísticas e falta de acesso à educação. Apesar disso, os pais imigrantes focaram seus esforços na educação de seus filhos para que, pelo menos, eles prosperassem.
Deixando todo esse contexto de lado, Dìdi raramente faz uma denúncia política da vida dos imigrantes daquela época. Pelo contrário, o fato de o protagonista, Chris Wang (Izaac Wang), ser um jovem taiwanês naturalizado nos Estados Unidos é casualmente assunto de conversa entre seus amigos, mas nada muito além disso. No longa-metragem, então, seguimos Chris — apelidado de Wang-Wang pelos seus colegas e de Dìdi por sua família — em um processo típico de amadurecimento. Na história, ele vive com sua mãe, Chungsing (Joan Chen), uma pintora amadora que tenta dar seus primeiros passos na carreira de artista; irmã, Vivian (Shirley Chen), que está saindo para estudar longe; e avó (Chang Li Hua). No verão de 2008, um mês antes de as aulas do primeiro ano do ensino médio começarem, o jovem entra em um processo de aprendizado: como operar uma câmera, como flertar, como perder seus amigos e como amar sua mãe.
Embora o contexto fértil para um enredo político, Dìdi opta pela simplicidade do processo mais natural da vida: o autoconhecimento. No caso, embora o grupo de amigos de Wang-Wang seja formado por imigrantes — destaque para os mais próximos, Fahad (Raul Dial) e Soup (Aaron Chang) —, raramente o filme trata isso como o motivo notável da amizade. Um pouco mais adiante, quando Chris se aproxima de alguns garotos brancos skatistas, esses nunca parecem notar as diferenças étnicas — e quando esses quebram os laços com Chris, a razão é a forma como o garoto trata sua mãe. Em outro instante, Dìdi começa frequentar um curso de preparação para faculdade e os alunos são descendentes de asiáticos. Mais à frente, em uma briga entre Dìdi e sua mãe, o curso é mencionado, quando o garoto pede desculpas por não ser bom o suficiente. A comparação, no entanto, não é entre eles e os garotos asiáticos, mas, sim, entre ele e os outros garotos e ponto.
Partindo disso, Chris e seu enredo recaem dentro do clássico coming of age. Sua história é uma montanha-russa, e seu amadurecimento custa sua antiga vida. No filme, Dìdi começa com um pequeno, mas sólido, grupo de amigos. Seus dois camaradas mais próximos, Fahad e Soup, tentam ajudar o herói a ser notado por uma garota, Madi (Mahaela Park). Uma hora, a menina aceita sair com Wang-Wang e o primeiro encontro é tipicamente desajeitado. Nas conversas pela internet, Chris sabe todos os filmes favoritos da Madi, não porque ela contou, mas porque ele leu no Facebook. Porém, tudo começa a dar errado quando Chris conta a história de um esquilo morto, que faz com que Madi e uma amiga dela, que estava saindo com Fahad, olhem torto para ele. Como resposta, achando que todos o odeiam, ele se exclui e passa a andar com um grupo de skatistas, em troca de trabalhar como cameraman deles. Porém, a mentira sobre ter experiência com filmagem de Wang-Wang não demora para vir à tona. Em conjunto, a forma que Chris trata sua mãe apenas quebra de vez os laços dele com os garotos. No final, Dìdi não tem nenhum amigo.
É importante entender, no entanto, que essa conexão só funciona pela aplicação da nostalgia em cima do público. De certa forma, parece bem definido quem foi alvo do filme: qualquer um que cresceu nos anos 2000 e presenciou o loteamento digital da internet. Com isso, Chris e seus amigos se comunicam pelo MSN, enquanto elencam quais são seus melhores amigos em suas páginas do MySpace. Quanto ao YouTube, ele ainda tem sua premissa original, essa que já foi esquecida: um espaço descontraído para postar o que você quiser. No começo, Dìdi posta vídeos de seus amigos se aventurando com o esquilo morto, mas depois tenta usar sua conta como espaço de divulgação de seu falso trabalho como editor de vídeos. Todas essas plataformas e a réplica da forma que nós as usávamos possibilitam uma inserção saudosista de reconhecimento: Chris é um garoto como você, pesquisando como beijar pela primeira vez no YouTube.
Todavia, apesar de o filme focar seus olhos em Dìdi e causar uma conexão com ele, o sentimento é que essa é uma obra sobre a mãe de Wang-Wang sob a perspectiva do garoto. Veja bem: Chungsing é uma mãe que cria seus filhos sozinha: ela migrou para os Estados Unidos ao passo que o pai da família ficou em Taiwan. Na viagem, ela trouxe seus filhos e sua mãe, bem como o sonho de ser uma pintora reconhecida. Ela faz quadros, mas nunca consegue atenção de Chris, que responde com indiferença ou criticismo às obras da mãe. Em casa, Chungsing enfrenta uma crise: na maior parte do filme, Chris e sua irmã brigam, ao passo que a avó da família vive culpabilizando a mãe por não ter sido boa o suficiente para educá-los e dizendo que o pai teria feito melhor. Apesar disso, Chungsing se mantém calma e não desiste de ser amiga dos seus filhos: há um momento em que ela está no carro com Chris e, sem querer, peida. Ela ri descontraída, enquanto ele a xinga.
De fato, Dìdi é uma obra mais pesada e densa do que parece, mas isso não significa que ela não seja divertida. Na verdade, não sei se “divertida” é a melhor palavra, mas há um entretenimento autodepreciativo na história de Chris. Para além da nostalgia, a direção de Sean Wang se certifica de deixar isso ainda mais concreto — tudo funciona porque a narrativa funciona. Perto do final, depois de uma briga com sua mãe, Wang-Wang foge de casa. Quando ele retorna, ele questiona sua mãe por que ela não foi o procurar e ela responde que sabia que ele voltaria. No final, o importante é saber que, não importa quais caminhos sejam traçados, nós sempre podemos encontrar o caminho de volta para casa.