Crítica: Close (2022), de Lukas Dhont
Close (2022) é uma abordagem diarística que causa uma proximidade por meio de uma simplificação diegética.
Existe um conceito amador no campo da psicologia chamado “adolescência tardia”. Essa ideia é usada para descrever um fenômeno que ocorre na comunidade LGBTQIA+, quando um indivíduo tem uma perspectiva de um adolescente mesmo já estando na vida adulta. Isso decorre de toda pressão social que essas pessoas sentem durante sua adolescência, não permitindo que elas tenham um desenvolvimento usual, fazendo com que, assim, suas experiências de formação psíquica não ocorram concretamente até sua idade adulta. Em um exemplo prático, não é irreal ver que grande parte dos homossexuais só começam a se relacionar amorosa e sexualmente depois dos seus vinte e poucos anos, justamente na mesma época que começam frequentar festas, consumir drogas e, também, sofrer quando seus relacionamentos terminam. Mas, o que acontece quando você não tem nem a oportunidade de viver isso?
Close (2022), assinado por Lukas Dhont, tenta se debruçar um pouco nesse cenário. No filme, os dois meninos Léo (Eden Dambrine) e Rémi (Gustav De Waele) tem uma grande amizade que se manifesta de uma forma fisicamente incomum. Depois de um verão despreocupado passado juntos, os dois garotos se encontram em uma nova sala de aula, onde sua amizade próxima causa rebuliço e rumores sobre os dois serem um casal. Léo, inquieto, se distancia do amigo e busca novos colegas, enquanto Rémi fica desestabilizado. Quando Rémi não vai a uma viagem escolar, todos são informados de que o jovem cometeu suicídio. No pós-morte, Léo tenta lidar com os sentimentos de culpa, ao passo que sua relação com Sophie (Émilie Dequenne), mãe do agora falecido menino, se molda perante o luto que os dois experienciam.
Close apoia seu sentimentalismo fílmico sobre uma abordagem diarística que causa uma proximidade por meio de uma simplificação diegética. Ou seja, grande parte do filme é um êxito porque desembaraça qualquer situação, bem como sua representação. O enredo de Léo e Rémi é construído com sutileza: são os pequenos instantes — em que eles ficam deitados, um ao lado do outro, falando sobre seus sonhos da noite passada — que conduzem todo o ensaio. Essa delicadeza leva a relação de ambos a um nível básico e inocente de troca: por mais que eles pratiquem atos que são “coisas de casais”, sua redução ao nível mais cru de conexão faz com que todo o processo passe a carecer de qualquer noção sexual ou erótico. Essa adoção narrativa simples de um relato na forma mais mínima possível estabelece uma proximidade, ao passo que seu percurso é tanto intimista quanto humano.
Porém, se a apresentação da amizade carece de maldade, sua desconstrução é pautada por uma esfera mais perversa. Quando os seus colegas de turma começam questionar se sua amizade com Rémi é um relacionamento amoroso, Léo é posto sob a mesma prática coerciva social: se os outros usam de costumes tradicionalistas para realizar seus ataques, Léo usa deles para se defender e fugir do julgamento. Para além de novas amizades com os outros garotos da turma, o personagem de Dambrine começa a jogar hóquei, um esporte supostamente masculino. Com isso, o desejo de aprovação e medo de rejeição de uma comunidade colocam em pauta todo o universo que Léo conhecia ao lado de Rémi. Consequentemente, ele renuncia a sua própria verdade.
Se o rompimento da amizade dos dois é feito violentamente, o que é mais agressivo ainda é o entendimento que não importa o que Léo fizesse, Rémi e ele nunca mais voltariam a ser amigos. Penso que isso é a coisa mais injusta da morte: não importa o quanto você chore e grite, você nunca terá aquela pessoa de volta, não importa o que você faça. Embora o pós-morte seja feito de forma contida — quase não há gritos ou cenas de choros escandalosos —, o silêncio se mostra mais potente. Os instantes em que Sophie tenta seguir sua vida e Léo a observa de longe sempre trazem a pergunta: ela está segurando o choro? Mais tarde, quando Léo toma coragem de contar para a mãe do seu falecido amigo que talvez ele tivesse alguma culpa na morte do jovem, ela o manda sair do carro. Léo corre para a floresta com medo de um ataque de raiva, mas Sophie vai atrás e o abraça com ternura. Depois de um pai chorar num jantar desajeitado, a mãe se questionar se falhou como tal e o amigo voltar a fazer xixi na cama, fica claro que a culpa é de algo muito maior do que nós.
Porém, se Close tem um conteúdo que trata de sentimentos tão inerentes à existência humana de maneira direta e reta, sua forma contribui para tal abordagem. O efeito de um diário mostrado é posto para além do desenrolar da história, mas principalmente pela estética visual. O longa conta como uma fotografia amadora. Isso significa que não há grandes artimanhas fotográficas e de iluminação. Por outro lado, isso não significa que Close não é um filme bonito e visualmente inteligente. É muito curioso observar, por exemplo, a diferença entre as cores do campo florido onde os dois garotos correm em diversos momentos do filme para a praia quase monocromática que Léo visita ao lado de seus novos amigos. Para mais, o contraste entre as duras quedas no gelo no campo de hóquei, algo supostamente masculino, e a liberdade sentida por Léo em meio às flores, algo feminino, põe a diegese como um agente de enredo.
Close é um filme triste, não há uma definição melhor. Por outro lado, o sentimento que ele nos causa é mais uma raiva do que uma tristeza, por assim dizer. Estamos sentindo raiva por estarmos tristes? Ou estamos com raiva por que tudo que aconteceu é uma realidade que ainda está longe de ser contornada? Na cena final do filme, Léo caminha pelo campo de flores que ele costumava correr ao lado de Remi. Os seus passos, pela primeira vez em meses, são carregados de esperança. No último plano, ele olha para trás, adentrando finalmente a última fase do processo de luto. Ele não chegou lá, mas chegou longe. E a vida segue da forma que deve seguir.