Abigail (2024), de Matt Bettinelli-Olpin, Tyler Gillett
Honestamente falando, quem liga?
Desde sempre, o cinema de horror lutou para ter reconhecimento dentro do grande circuito exibidor. Nos anos 1930 e 1940, por exemplo, enquanto o cinema hollywoodiano arquitetava obras já consideradas célebres, com seus melodramas e dramas policiais, os filmes de terror eram vistos com as obras mais mesquinhas. Uma das formas de obter essa validação foi seguir os trabalhos que já eram postos como referências: se as próprias convenções do gênero não agradavam os críticos, restava então se juntar ao time vencedor. Isso fica claro quando as noções de espaço-tempo comprimidas de Festim diabólico (1948) e Doze homens e uma sentença (1957) inspiraram o suspense claustrofóbico de ficção científica, O enigma de outro mundo (1982). No caso do último, embora tenha sido um êxito do gênero, pessoalmente falando, sua abordagem não é tão sólida e, assim como Abigail (2024), é a prova do porquê, talvez, é melhor seguir suas raízes.
No longa, dirigido pela dupla Matt Bettinelli-Olpin e Tyler Gillett, um peculiar grupo de criminosos aceita o trabalho de sequestrar uma bailarina de doze anos, Abigail (Alisha Weir), filha de um dos mais poderosos homens do mundo do crime. Enquanto o contratante do sequestro pede um resgate de cinquenta milhões de dólares para o pai da garota, o grupo só precisa observar a criança por uma noite em uma mansão isolada. No entanto, não demora muito para ficar claro para todos que aquela menina é muito mais do que apenas uma criança.
Embora a compressão temporal e espacial presente em Abigail (2024) tenha a potencialidade de gerar filmes de terror e suspense mais poderosos, ela demanda também um estudo de personagem mais denso. Meu maior problema com O enigma de outro mundo é justamente esse, visto que todos os personagens do clássico de John Carpenter são desinteressantes e mal desenvolvidos. Em Abigail, o mesmo acontece: não apenas os vilões são irritantes e desprezíveis, mas os heróis também. O maior motivo disso acaba sendo os arquétipos saturados que têm pautado os filmes de terror desde sempre: Sammy (Kathryn Newton) é a típica menina rica, bonita e sem perspectiva de mundo, ao passo que Peter (Kevin Durand) é forte, mas burro, e Dean (Angus Cloud) é um drogado idiota. Todos sabemos quem vai ou não morrer e isso faz com que todos ali sejam… descartáveis.
O que piora, no entanto, é como esses problemas acabam afetando também os personagens principais. Nossa heroína, Joey (Melissa Barrera), é uma ex-drogada que tem uma relação problemática com seu o filho. Um dos seus pontos altos do filme é quando ela usa seu instinto para desvendar um pouco da personalidade de cada um de seus colegas de empreitada. No entanto, ela não descobre muito e seu desenrolar é sonso. Abigail, por outro lado, consegue ser ainda mais tediosa: ela é uma Esther (Isabelle Fuhrman), de A órfã (2009), mas mais chata e sem um pingo de charme. Seu plano de enganar os inimigos de seu pai e fazê-los de comida é mediano, mas suas frases genéricas acabam com qualquer graça. "Eu gosto de brincar com minha comida”? I mean…
Os atores, por sua vez, não ajudam a salvar nem um pouco a superficialidade dos personagens. Angus Cloud, por exemplo, parece fazer a continuação de seu personagem de Euphoria, Fezco, e seu desempenho é bem medíocre. Melissa Barrera, por sua vez, parece confiar todo seu tempo de tela a uma inexistente força interna de Joey, ao passo que Alisha Weir não consegue ser carismática nem por um segundo. Para mais, o restante é tão mediano e genérico quanto seus próprios papéis, não conseguindo sequer fazer o mínimo: que o público sinta pena ou remorso por eles.
Todavia, a direção também carece de tato na construção de um ambiente sólido para estabelecer bem um jogo satisfatório em uma situação claustrofóbica. Em primeiro, há um problema na imposição de um mínimo de suspense que seja: nos primeiros vinte minutos, Abigail já ameaça Joey, entregando toda a trama do filme. Com isso, faltando ainda uma hora para o longa terminar, você sente que tudo que tinha para acontecer já ocorreu. Com isso, mais da metade do filme parece uma tentativa exagerada de estender o que não tinha pano para manga, apenas criando o sentimento cada vez mais forte de um filme que nem sabia para onde estava indo — em certo ponto, parecia até que Abigail estava querendo brincar de ser Jigsaw. No meio tempo, as piadas de humor forçadas e os péssimos diálogos só quebram ainda mais as pernas que já estavam bambas.
E, de certa forma, a dupla de diretores parecia saber que o próprio filme não tinha potencial, ao passo que eles adotaram uma abordagem nada original e absurdamente apelativa. Matt Bettinelli-Olpin e Tyler Gillett trabalharam juntos nos dois últimos filmes da franquia de Pânico, e isso fica claro pela fotografia amarelada e decupagem travada. Em paralelo, há tentativas falhas de estabelecer uma metáfora entre terror e dança, quase que mimetizando Cisne negro (2010) e Suspiria (1977), mas o produto é mais irritante do que charmoso — a cena em que Sammy dança possuída é inegavelmente uma cópia do êxito popular de Pearl (2022). Nem mesmo o gore é muito compensador.
Frank (Dan Stevens) é talvez meu personagem favorito. Além de ser um bom confidente que se torna um bom vilão, sua inteligência mínima faz com que ele não seja tão detestável quanto o resto. Porém, seu tempo de vilania não dura tanto depois que Abigail e Joey se juntam para acabar com ele. Pior que isso, porém, é o subtexto de figura materna que a personagem de Barrera parece apresentar neste momento. Mas, honestamente falando, quem liga?